Se você já recebeu a notícia de ter um embrião euploide (com número normal de cromossomos) e, mesmo assim, a transferência não virou gravidez, dói — e confunde. É comum ouvir “mas se está tudo certo no embrião, por que não deu certo?”. A resposta curta é: implantação é multifatorial. Cromossomos normais são condição necessária, mas não são garantia.
Em média, mesmo após PGT-A, a taxa de bebê em casa por transferência de blastocisto euploide gira em 50–60%. O intervalo entre “o que já controlamos” e “o que ainda não entendemos” ficou conhecido como a “caixa-preta” da implantação.

Um estudo de referência reuniu 372 trabalhos para buscar padrões do que aumenta ou reduz as chances após a transferência de um único blastocisto euploide. A seguir, organizo as conclusões de modo prático e humano — para você entender o que está (e o que não está) sob nosso controle.
1. Fatores do embrião (além dos cromossomos)
Qualidade morfológica importa
Mesmo entre euploides, blastocistos com ICM (massa celular interna) ou trofectoderma (TE) de pior qualidade têm menor chance de bebê em casa; quando olhamos a qualidade global (escala de Gardner), blastocistos ≤BB também performam pior. Em resumo: dentro do conjunto euploide, há embriões mais competentes que outros.
Ritmo de desenvolvimento
Blastocistos que completam o estágio no dia 6/7 tendem a ter pior desempenho que os do dia 5. Isso não quer dizer que “dia 6 não presta”, e sim que, quando houver escolha entre um euploide D5 e um D6 com morfologia equivalente, o D5 costuma ser preferível.
2. Fatores maternos
Idade
Mesmo controlando os cromossomos do embrião, a idade da mulher ainda pesa. Acima de 38 anos, observa-se leve redução da taxa de nascido vivo por transferência. Isso aponta para mecanismos de envelhecimento reprodutivo além da aneuploidia, como alterações mitocondriais, epigenéticas e do “diálogo” embrião-endométrio.
Obesidade
Obesidade associa-se a menor taxa de nascido vivo e maior risco de aborto após transferência de euploide. O racional provável envolve inflamação sistêmica, resistência insulínica e efeitos no endométrio. Pequenas perdas de peso já podem melhorar o ambiente metabólico.
Histórico de falhas repetidas
Mulheres com falhas de implantação repetidas apresentam menor chance em novas transferências, mesmo com euploides. Isso sinaliza que pode haver fatores persistentes (uterinos, microambientais ou sistêmicos) a serem investigados e otimizados.
Observação honesta sobre a evidência: boa parte dos estudos é retrospectiva e heterogênea; a qualidade global da evidência para muitos desfechos é baixa a muito baixa. As associações existem, mas nem sempre provam causalidade. A interpretação deve ser criteriosa.
3. Fatores paternos
Embora menos estudados, marcadores de qualidade espermática (como fragmentação do DNA) podem reduzir a competência reprodutiva mesmo quando selecionamos um embrião euploide. Motivo: danos subcromossômicos, epigenéticos ou no genoma mitocondrial não são capturados pela triagem cromossômica. Higiene de estilo de vida, tratamento de varicocele quando indicado e técnicas de seleção espermática podem ajudar em casos selecionados.
4. Fatores clínicos e de laboratório
Transferência a fresco x congelada
Após PGT-A, transferir embrião vitrificado (congelado) mostrou melhor desempenho do que transferência a fresco em análises agrupadas. Provável explicação: endométrio mais estável em ciclos programados e menor impacto de estímulo intenso.
Evitar “excessos” de manipulação
Vários ciclos de congelamento-descongelamento (recongelar o mesmo embrião) se associam a pior desfecho: planejamento para minimizar recongelamentos é desejável.
Biópsias mais extensas (retirar muitas células do TE) podem reduzir discretamente a chance; técnica cuidadosa importa.
Protocolos de micromanipulação que integram a abertura da zona pelúcida ao momento da biópsia parecem performar melhor do que estratégias em dois tempos (ex.: eclosão no D3 e biópsia no D5/6).
Tradução prática: padrão e parcimônia. Quanto mais consistentes e delicados os processos, melhor para o embrião.
5. O endométrio segue sendo peça-chave
Mesmo com um embrião competente, é no endométrio que a implantação acontece. A revisão reforça a importância do “diálogo” embrião-endométrio — aspectos de receptividade, decidualização adequada e sincronia com a janela de implantação. Esse “idioma” bioquímico ainda é um ponto cego importante da reprodução humana e é uma das fronteiras de pesquisa mais promissoras.

O que você pode fazer (e o que cabe à equipe fazer)
Você (hábitos e saúde):
Sono, atividade física, alimentação anti-inflamatória, manejo de estresse e peso: não são “detalhes”; melhoram o ambiente uterino e metabólico, especialmente se há resistência insulínica.
Tabagismo e álcool: cessar/reduzir melhora marcadores reprodutivos e espermáticos.
Nós (estratégia clínica):
Escolha do embrião euploide com melhor morfologia (ICM/TE e qualidade global).
Preferir D5 quando houver equivalência entre euploides disponíveis.
Planejar para FET (transferência de vitrificado) em protocolos que favoreçam endométrio estável.
Minimizar recongelamentos e manipulações desnecessárias; biópsia precisa e conservadora.
Rever fatores persistentes em falhas repetidas, inclusive avaliando cavidade uterina, inflamação crônica de baixo grau e causas sistêmicas.
Limites do que já sabemos (e para onde vamos)
A revisão é enorme, mas deixa claro: precisamos de estudos melhores. Os autores pedem:
Investigar mecanismos do envelhecimento reprodutivo além da aneuploidia (mitocôndria, epigenética, metabolismo).
Entender/medir melhor o diálogo embrião-endométrio.
Padronizar e automatizar avaliações embrionárias e protocolos de laboratório.
Desenvolver métodos não invasivos de seleção embrionária que capturem competência real, e não apenas cromossomos.
Conclusão:
Se a sua transferência de um embrião euploide não implantou, isso não é fracasso seu. A “caixa-preta” está ficando cada vez mais clara: qualidade embrionária fina, idade e metabolismo maternos, marcas do espermatozoide e cuidados de laboratório todos contam. Nosso trabalho é reduzir variáveis, planejar com precisão e cuidar do caminho tanto quanto do destino.
Com tempo, escolhas bem informadas e um plano realista, as chances acumuladas aumentam — e é isso que importa.
📖 Referências Científicas:
Cimadomo D. et al. “Opening the black box: why do euploid blastocysts fail to implant? A systematic review and meta-analysis.” Human Reproduction Update, 2023.



