Quando falamos em fertilidade, muitas vezes usamos apenas a idade como referência: “depois dos 35 anos, a fertilidade cai”. Isso é verdade, mas o que está acontecendo de fato dentro dos ovários vai além do número no calendário.
Um dos processos mais importantes
Um dos processos mais importantes por trás do envelhecimento dos óvulos é o chamado estresse oxidativo. Para simplificar: é como se dentro das células houvesse uma produção natural de pequenas “fagulhas” químicas.
Em pequenas quantidades, elas são normais e até necessárias. Mas, com o tempo, essas fagulhas vão se acumulando em excesso e começam a causar estragos: danificam proteínas, gorduras da membrana e até o DNA. É como se os óvulos fossem, pouco a pouco, se “enferrujando”.
Como isso acontece dentro do ovário
Desde cedo, mesmo nos folículos mais imaturos (os que formam a nossa reserva ovariana), já é possível identificar sinais desse “desgaste”. Com o passar dos anos, esses sinais aumentam. Isso significa que o estoque de óvulos que carregamos desde o nascimento vai ficando, pouco a pouco, mais exposto a essa oxidação.
Outro ponto essencial são as mitocôndrias, que funcionam como as “baterias” das células. Nos óvulos mais jovens, elas fornecem energia suficiente para o desenvolvimento e a divisão celular. Mas, com a idade, as mitocôndrias vão perdendo eficiência, ficam menos capazes de gerar energia e mais propensas a liberar ainda mais substâncias oxidativas. É um ciclo: quanto mais oxidação, mais as mitocôndrias se desgastam; quanto mais elas se desgastam, mais aumentam a oxidação.
O resultado é que os óvulos passam a ter mais dificuldade em amadurecer de forma saudável e, por isso, aumenta a chance de não conseguirem gerar um embrião viável.
Por que mulheres da mesma idade podem ter trajetórias tão diferentes
Nem tudo é explicado apenas pela idade. Outros fatores também podem aumentar esse estresse oxidativo:
- o tabagismo, que antecipa a menopausa em vários anos;
- o estresse crônico, que em estudos com animais reduziu a reserva de óvulos;
- condições como a endometriose e a síndrome dos ovários policísticos, em que as células do ovário mostram sinais de mais oxidação;
- alterações genéticas, como em mulheres com mutações ligadas ao reparo do DNA, que aceleram esse processo.
É por isso que duas mulheres com a mesma idade podem ter histórias reprodutivas muito diferentes: algumas mantêm boa função ovariana por mais tempo, enquanto outras enfrentam uma queda precoce.
Há algo que possamos fazer para reverter esse processo?
Aqui é importante ser honesto: até agora, não existe nenhum remédio, suplemento ou procedimento comprovado em humanos que consiga reverter esse desgaste natural dos óvulos.
O que já foi testado:
- Antioxidantes orais: em animais, mostraram algum benefício; em mulheres, os estudos ainda não mostraram resultados consistentes.
- Antioxidantes em laboratório: misturados ao meio em que os óvulos são cultivados durante a FIV; promissor em experiências com animais, mas ainda não se mostrou eficaz em humanos.
- Plasma rico em plaquetas: há quem tente usar para “reativar” os ovários, mas os resultados são muito variáveis e não existe comprovação de eficácia.
- Transferência de mitocôndrias de óvulos jovens para óvulos mais velhos: foi testada em ensaios clínicos e não melhorou as chances de gravidez.
- Técnicas de substituição mitocondrial: em que se usa parte do óvulo de uma doadora para ajudar, ainda estão em fase experimental e levantam discussões de segurança.
Ou seja: a ciência já tem muitas ideias, mas ainda não chegou a uma solução confiável que possa ser oferecida com segurança para as pacientes.
O que isso significa para você
A queda da fertilidade com a idade não é apenas uma estatística. É o reflexo de processos biológicos reais acontecendo dentro dos óvulos: oxidação, falhas nas mitocôndrias e perda progressiva de qualidade celular.
Por enquanto, a única estratégia realmente comprovada para lidar com isso é respeitar o tempo. Isso significa considerar a maternidade antes que esse “enferrujamento” natural dos óvulos avance demais, ou, em alguns casos, pensar no congelamento de óvulos para preservar a chance de uso futuro.
Conclusão
O envelhecimento ovariano não acontece de um dia para o outro, mas é um processo lento e contínuo, impulsionado pelo acúmulo de estresse oxidativo dentro dos óvulos. Ainda não existe um tratamento capaz de impedir esse processo em humanos, mas compreender como ele funciona ajuda a tomar decisões mais conscientes sobre o tempo e as opções disponíveis.
📖 Referência científica:
Babayev E, Seli E. Ovarian aging and oxidative stress: from bench to bedside. Reproductive Sciences. 2023.



