Quando a transferência não dá certo mais de uma vez, é comum ouvir que “você tem falha de implantação” — como se houvesse algo fixo no seu corpo impedindo a gravidez. Os melhores dados atuais mostram outra coisa: na imensa maioria dos casos, o problema é probabilístico e embrionário, não um “defeito” do seu endométrio. E, quando você insiste com novas transferências bem indicadas, as chances continuam subindo.

O que significa “falha repetida de implantação” afinal?
Historicamente, esse rótulo foi aplicado depois de 2 ou 3 transferências sem gestação. O problema é que isso não tem base biológica sólida e acaba misturando pacientes muito diferentes. Grupos de trabalho atuais (como os ligados à ESHRE) propõem usar a probabilidade acumulada esperada para aquela paciente (idade, quantidade/qualidade de embriões, ploidia) e só falar em falha repetida de implantação quando, mesmo após um número suficiente de embriões viáveis, a chance já deveria ser alta e, ainda assim, não houve implantação. Em outras palavras: não é contar ciclos; é avaliar a chance acumulada que já deveria ter se materializado.
O que mostram os grandes estudos de mundo real?
1. Quando os embriões não foram testados (sem PGT-A)
Em 11.463 mulheres (31.478 transferências), a taxa de nascido vivo acumulada continuou crescendo a cada novo blastocisto transferido — 68,3% após 6 transferências e 78,0% após 10. Não houve “platô” que justificasse dizer “a partir daqui não adianta tentar”. A idade reduz a velocidade com que se chega lá (ex.: após 4 blastocistos, <35 anos ≈ 68,9% vs 38–40 anos ≈ 42,9%), mas a curva segue subindo. Resultado central: persistir aumenta a chance acumulada.
Tradução prática: se os seus embriões não foram testados, parte das falhas é explicada por aneuploidia aleatória (principalmente com a idade). Continuar tentando com blastocistos de boa qualidade mantém a curva de chance em ascensão.
2. Quando os embriões foram testados (euploides, com PGT-A)
Em 123.987 pacientes, analisou-se um subgrupo raro: quem falhou 3 euploides seguidos e ainda tinha um quarto/quinto euploide para transferir. O que aconteceu? Taxas de nascido vivo semelhantes no 4º e no 5º euploide e cumulativo de 98,1% após 5 euploides (IC 95% 96,5–99,6%). Conclusão: falha repetida de implantação “verdadeira”, sem causa identificável e com euploides, é muito rara (<2%).
Tradução prática: se você tem euploides para transferir e não há fatores uterinos óbvios, a chance de pertencer ao grupo de falha repetida de implantação verdadeira é mínima. A recomendação mais importante costuma ser seguir com a próxima transferência.
3. O que dizem as revisões críticas recentes?
Os painéis e revisões recentes convergem: a grande maioria das “falhas de implantação” é explicada por fatores embrionários; o endométrio perfeito não “salva” um embrião incompetente, e testes/intervenções sem evidência não melhoram nascido vivo. O termo falha repetida de implantação vem sendo recalibrado para evitar excessos de investigação e “add-ons” que consomem recursos e, às vezes, até pioram resultados.
Perguntas diretas (e respostas objetivas)
Depois de quantas tentativas eu “viro” falha repetida de implantação?
Não existe um número mágico igual para todas. O foco é a probabilidade acumulada: com euploides disponíveis e sem fatores uterinos, 98% chegam ao bebê em casa até o 5º euploide. Com embriões não testados, a curva também sobe de forma contínua até pelo menos 6–10 transferências, variando com a idade e a qualidade.
Falhou 3 vezes: devo “mudar tudo”?
Não necessariamente. Se o endométrio/cavidade estão ok e você tem embriões euploides, seguir para a próxima transferência costuma ser a conduta com melhor evidência. Mudar de rumo só porque “3 é muito” não tem respaldo.
E se meus embriões não são testados?
Aneuploidia por idade explica muitas falhas. O estudo grande mostra crescimento contínuo do cumulativo com mais blastocistos transferidos. Avaliar idade, qualidade embrionária, resposta à estimulação e taxa de blastulação ajuda a projetar quantos embriões serão necessários.
Falha repetida de implantação significa problema no meu útero?
Quase sempre, não. Quando cavidade e trompas problemáticas (ex.: hidrossalpinge) estão excluídas, o embrião é o principal determinante. O endométrio pode ter papel, mas não há sinal de que a maioria dos casos seja endometrial.
O que realmente muda desfecho (e o que costuma atrapalhar)
Ajuda:
- Embriões euploides quando disponíveis e morfologia/dia de blastocisto adequados orientando a ordem de transferência.
- Checagem uterina direcionada (ex.: histeroscopia quando há suspeita; tratar hidrossalpinge).
- Planejamento de ciclo e padronização do laboratório, evitando recongelamentos/manipulações desnecessárias.
- Gestão de fatores maternos/paternos (idade, IMC, qualidade espermática), pois impactam a competência embrionária ao longo do caminho.
Base: os três trabalhos reforçam que o caminho cumulativo é o que faz a diferença.
Não ajuda (rotina):
“Add-ons” sem evidência de ganho em nascido vivo (testes empíricos de receptividade, protocolos caros e pouco reprodutíveis, pacotes imunológicos genéricos). A recomendação é evitar rotina e discutir apenas em contextos de pesquisa ou hipóteses muito específicas.
Como interpretar suas próprias chances
Pense em probabilidade acumulada, não em um único ciclo.
Com euploides, a enorme maioria alcança o bebê em casa até o 5º embrião.
Sem PGT-A, a curva continua subindo com mais blastocistos, e não há “teto” precoce: 68% após 6 e 78% após 10 transferências no estudo belga.
Essa visão tira o peso do “não deu” como sentença e recoloca como passo de um caminho que, estatisticamente, segue melhorando com estratégia consistente.

Mensagem final
“Falha repetida de implantação” não é um rótulo para desanimar nem um gatilho para colecionar exames. É um conceito probabilístico que deve ser usado com parcimônia. Se você tem embriões viáveis, cavidade normal e um plano técnico sólido, seguir tentando costuma ser a melhor decisão — e os dados mostram que isso funciona.
📖 Referências Científicas:
Dhaenens L. et al., 2025 — 11.463 mulheres; cLBR cresce sem platô com blastocistos não testados; 68,3% após 6 e 78,0% após 10.
Gill P. et al., 2024 — após 3 euploides falhos, 4º e 5º euploides mantêm boa LBR; cumulativo 98,1% após 5; falha repetida de implantação “verdadeira” <2%.
Fraire-Zamora J. et al., 2025 — “Falha repetida de implantação: ciência ou ficção?”; revisa definições baseadas em biologia, reforça foco em fatores embrionários e cautela com add-ons.



